5.1.14

Blanche 24: Madeireiros

Neste adelgado vale abraçado por montanhas, temos a segunda propriedade "urbana" rumo à encosta: a rudimentar e recalcitrante madeireira do consciencioso casal Green e Zina.
Ela, uma indígena comprada (fato corriqueiro) e amplamente querida, quase uma exceção, adaptou-se naturalmente ao modo de vida europeu implantado na pradaria.
Um fator preponderante para a convivência pacífica de Zina foi o apreço despendido exaustivamente pelo esposo, que apenas homens com nobreza de alma alcançam.
Vista ao longe, vagando com as botinas negras, vestes estampadinhas recobrindo os membros até o final, lencinho branco à cabeça, tapando recatadamente as orelhas e densa cabeleira negra, nem se assemelha a uma índia.
Com o casal, congregam os celebrados filhos Brenda (noiva de Dory), Asper e Torben, e o rosado avô Lars, cabeleireiro masculino. `As mulheres, vistas como castiças desimportantes, não se permite tosquiar-se.
A Green, o que farta em cavalheirismo, escasseia em empreendedorismo. Embora exímio artesão, não domina a madeireira com punho cerrado. Na visão dele, dias iluminados existem para serem degustados. Seu pai Lars aposta nos jovens netos para o promissor futuro da empresa.
O azul viciante de seus olhos misturou-se ao negro supremo do olhar de Zina, conferindo às íris dos filhos estranhos tons agateados, que mudam ao longo do dia, conforme a insolação.
Os cabelos, dele clarinhas e encaracoladas penugens, e dela tão indígenas, forjaram nas crias todo tipo de nuances: Brenda com revoltosos fiozinhos cor de mel; Asper com potente cabeleira escura; e Torben numa espécie de ruivo mascado, com mexas aloiradas cá e acolá.
Os minguados conflitos familiares, geralmente apaziguados pelo avô, giram em torno da constante falta de recursos financeiros e da manipulação de duas culturas tão distintas entre si.
Green, adepto à tolerância devido a educação calvinista, sempre propõe. Zina, absolutista e de cultura tribal, por vezes se impõe. O tempero cabe a Lars, que recorre cuidadosamente às crianças para encontrar o fiel da balança.
Em Riolama, construções em madeira são uma constante. Silos, galpões, residências, abrigos de animais, são entabulados com as árvores abundantes das florestas locais. 
Numa impressionabilidade, os indígenas, anteriormente à reserva, habitavam escrupulosamente as cavernas esculpidas nas encostas, utilizando parca madeira. Numa polivalência, preferiam extrair frutos, cascas e raízes de suas intemeratas árvores.
A arenosa terra da encosta, propícia à escavação, gerou inúmeras cavernas, em tamanhos e formatos diversos, borbulhando feito olhinhos curiosos a espreitar a planície. 
Paredes eram formadas com adobe (barro e grama), e pedra amalgamada. O sincretismo de materiais em colóquio permanente, deixava as construções excêntricas e artísticas. 
Prodigalizando, as resistentes raízes, ossos especiais, fibras tecidas, grandes sementes e madeira retorcida eram entrelaçados em partes do adobe com intuito estético. 
Coloridas pedras polidas, angariadas ao “báculo rio” serviam de arremate. Outrossim  criavam desenhos nas paredes escavadas, feitos com terra colorida misturada a gordura animal, dando um sabor à fruição. 
Num magérrimo sorriso, Blanche sonha com os fragmentos desta época longínqua, contemplando as ocas encostas fantasmagóricas. Esta menina tem perdido parte de seu ar vadio e despreocupado... 
Envolta numa mexediça nuvem refulgente, Blanche, com sua crescente maturidade, lentamente imprime-se um porte senhoril que subtrai-lhe parte da graça, podando suas asas de veludo: ônus e bônus. 
Os pensamentos amarfanhados e poéticos, vão embaindo-se com atitudes prudentes. O amálgama denominado Blanche transborda em congestionantes tateios rumo à vida adulta, a existência descuidadosa afasta-se mais e mais.

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