9.1.14

Blanche 31: Morrer de parto

Neste sábado frio e seco, em Riolama, a sineta não clamou fulminantemente... era apenas a insignificância de uma clandestina, então não houve jus à prece. 
Exausta com o arremate da prenhez, ela se mostrava ampla. Implorava auxilio a Emma e Noru. Dormir, somente aos solavancos, a imensa barriga pressionando rins e bexiga – ardor, inchaço, febres. 
Pela ausência de calcinha (à época), o sangue na ampla saia godê alertou-lhe. Chegara a hora! Em breve, as cólicas baixas gritarão. Helen e Holine entram em alerta ainda nesta quinta-feira. 
Emma jaz nas montanhas, à recolecção das abundantes e substanciais macaúbas. Serão extraídas suas amêndoas, que socadas ao almofariz encravado na pedra do quintal, efetuará uma proteica paçoca, com farináceos e as brancas larvas a temperar. 
Blanche, bem à distância, lhe acena o florido avental, gesto que Emma retribui. Noru idealizou-a com perfeição, e assim, sempre na longitude, são amigas “virtuais”: Emma e Blanche. 
Um hóspede javardo e macambúzio, ronda... interessado. E nuns gritinhos assustados, percebe-se as primeiras contrações rasgando com garra a região anal. 
Noru, experiente, executa à moda indígena. Arrebata a garota ao terreiro da pensão e tenta uma frenética dança, ao bater do tambor improvisado, sem aparente periculosidade. 
Intermitentes, as contrações bravias apertam e retraem, estraçalham a ponto de partir-lhe ao meio, em contorcidas dilacerações talhando as ancas. 
Em oraçõezinhas, Emily alonga-se no quarto, pelo desespero. Suas ligações neuronais a transportam a Corda Bamba, nos incontáveis falecimentos por parto do inferninho onde trabalhava. 
O inconveniente forasteiro auxilia a deslocá-la à alcova, após o frustrado trabalho de Noru em prol da dilatação. Em agonia, quase sem ar, solta urros nos segundos de padecimento dilatal, acocoradinha ao pé da cama. 
Uma sensação desumana e grosseira. Berros horrendos, enfim um punho de dilatação. Logo redunda em nefasta escuridão, quase desmaia. 
O lisérgico chá das cascas de bergamota selvagem. Incenso alucinógeno nefelibaticamente espalhado. Consternante impotência, passa o tempo, não passa a atemporal aflição. 
A insuficiência, fragilidade e morosidade das técnicas de parto, o esgotamento físico. Vai-se um dia. Intensas e avassaladoras, as dores quase perdem sua alentosa intermitência. 
Em força descomunal, sempre de cócoras, na explosão fônica, expele uma cabecinha. Os ombros não saem, não ultrapassam, estão enroscados... 
– Piedade! 
Um repúdio dilacerante, vocifera, achincalha, admoesta... se livra. A garotinha é expelida. Angústia estranha... Por que não acaba? 
A incúria das parteiras redunda noutra cabeça. Gêmeas? Ofegantemente, após quase dois dias, num lapso de garra e rugidos, enfiando uma mão nas próprias entranhas, escarra outro bebê. Muito menor. 
A dor foi arremessada longe, com Edith e Judith. Todavia sente algo jorrando, escorrendo... Emily, que covardemente adentrara a pouco, muda de feição. Apressada, retira as bebês do aposento. 
Visão turva, fugindo, Emma aperta-lhe a mão. As parteiras se acotovelam. A cunhã traz e leva panos, água fervente; bebezinhas chorando longe, longe... 
Questiona o constrangedor e flagelado segredo: Cachoeira hemorrágica. Seu útero exausto, dilatado e dilacerado, está aberto e expelindo sangue, feito esponja espremida, sem resiliência. 
Depois de tanto martírio? Dúvidas existenciais, palidez, assombro, impotência. Transcendência...
Fora enterrada, a pedido de Emily, junto ao pé de sabugueiro, ainda em brancas flores, a adolescente prostituída.

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