12.3.14

Blanche 49: E e Indiozinho?

O indiozinho? Esta presença pura já se esfalfa da tulha e prepara o revir à reserva, no sol ainda vivo do vindouro outono. Além da apoucada sequela: uma perna mais curta, não esboça mais sinais do perrengue aborrascado.
Os fisioterápicos mergulhos restabeleceram-lhe a agilidade; toda manhã ele segue a sós pela veredinha, dialogando com os seus de dentro, reavivando a aventura grupal de outrora. Todo ele em respiração se faz ternura, todo ele se exalta extraviado nos espinhos da distância.
O ar que o penetra sobre o leve pisar em folhas secas perfiladas, vai persignando-lhe a aura e alargando sua luz interna. Enquanto paralelamente desenrola-se um longo fio de formigas, ele se achega e mergulha - ditoso, pleno, fastuoso.
Nem ao longe imagina que após seu primeiro banho, abrolhou em Nick uns sofreres com os detalhamentos de Tom. Sim, enquanto Tom descrevia indiscriminadamente as maravilhas da água, Nick se fez de janela cega e transpôs  o óbvio, enquanto a voz do outro chovia-lhe ácida.
Num desatino alastrado, julgou que Tom pudesse, mesmo que por instantes, ter transcendido a cordialidade e se imiscuído no mundo alheio. O coração, numa roseta desmaiada, quase dá sinais do entronizado zelo de amor desmedido.
Cada frase de Tom, jorrava em ribanceira até a entranha do penhasco em que Nick se ancorava. As baforadas rígidas dos relatos a lamber-lhe os finos fios de cabelos encaracoladinhos, alvoroçados sobre os ombros. Velou a hospitaleira voz do amigo,  respondendo com suspiros em largas remadas e escassos piados miúdos. 
Como odiou o indiozinho... como invejou aquele torso em benevolência ao toque (involuntário) de Tom, com sol dançando à volta! Os braços fechando anel, com dedos entrelaçados em tronco qualquer recendiam amargor que Tom nem pressentiu.
Em alucinação, tremia num corpo atorporado, num formigamento encardido, com a sensação de estar minguando, pronto a explodir seus segredos em devassados esturros sobre o anacoreta Tom. Então, da capela, o sino chicoteou-o com suas pancadas. Aquela cáustica anamnese cor de terracota cessou, afinal. 
Nick, ao faiscar os olhos num escandinavo azul, avivava a negritude nos cabelos de Tom. Calcando meticulosamente os dentes num canto do lábio superior, conclamou-o para a assembleia em Riolama. Num sopro em rebuliço, a portinha esgazeada daquela cena encafuou-se na memória, longinho da alma.
Banhar-se com Tom... banhar-se por Tom... enlaçar-se em Tom. Os cavalos, paralelos, seguiam pelo trâmite num feliz estar. Nick descerrava a mão e flutuava-a na silhueta do sonhado cônjuge, simulando de leve, o ritmo encrespado da água em ondas. Expressividade fugidia, absconsa no silêncio dum amor em novelo virgem e lágrimas cruas.

2 comentários:

  1. ~
    ~ Está muito bom o teu capítulo, num dia em que estamos particularmente, tristes por Portugal ter descriminado os casais do mesmo sexo, não aprovando a lei de coadoção, para esses pares.

    ~ A lei adiada, já foi aprovada na UE. Uma vergonha!

    ~ Muito bem escrito e estruturado, mas se me permites, o termo ~ dichoso ~, de acordo com o dicionário on line, é espanhol, suponho que corresponde ao nosso ~ ditoso ~...

    ~ ~ ~ ~ ~ Beijos deveras amigos. ~ ~ ~ ~ ~

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Majo!
      Fico grata pela força...
      A adoção deve levar em conta sobretudo o bem estar da criança, que estará melhor que num abrigo superlotado.
      Eu tenho tios homossexuais que cuidam de seus sobrinhos bem melhor que as próprias mães: são atentos, carinhosos, éticos.
      Aos poucos as mentalidades retrógradas vão se abrindo.

      Quanto ao termo, é realmente ditoso. Grata por me advertir - estou arrumando.

      Beijão de além mar.

      Excluir

Em breve haverá resposta.