26.12.13

Blanche 16: As cascas lisérgicas

Erin e Lisa aguardavam Blanche, todavia não com certeza. Transbordantes, foram tocadas quase que de surpresa. Soltando ruídos indígenas característicos com auxílio das bochechas, revelam sua alegre exaltação.
Todos se encaixam em cerzidas roupas confortáveis e a garota, na túnica indígena em pano cru, vai se imiscuindo entre os seus. Nada pode conscurpar esta tarde de querência. 
Neste mundinho suspenso, estão fortes e livres como a suçuarana. Estouram pipocas; servem num odre de terracota, o fumegante chá de cascas de arbustos, adoçado ao mel.
As frutas de época complementam o prato, servido no terreiro, embaixo da dançarina moita de bambus. Esta refeição do meio dia aqui na circunscrição é mero paliativo, sempre um lanche rápido e leve. 
Logrando o calor remanescente, fogem da triarquia, enfileirados para a margem do "briguento rio", ela e as crianças. Naquela curva fechada, forma-se uma praiazinha, não de areia, mas de arteiros pedriscos bem lisos.
As cerejeiras silvestres, ainda em escassos frutos tardios, assombram e refrescam o local. Os garotos, habituados, mergulham sorrateiros ao cantinho oposto à correnteza. 
Acte e Blanche, sem roupas, deitadas à margem, recobrem-se com as úmidas e geladas pedrinhas, aproveitando um cristalino e macio veio d`água que por ali desponta, beijando constantemente o másculo rio.
Acima, ao céu, montinhos de nuvens desfiadas brincam ciranda, enquanto as amadurecidas cerejas se despencam sobre ambas, ao sopro da malandrinha brisa leste. 
Num mísero segundo, o sol se abaixa, denunciando a hora de Blanche retornar num voo à estância. A despedida não dispensa um sortido jacá de taquara, repleto com víveres; as recomendações da avó e o lamúrio geral.
Encaixando o jacá, ela galopa graciosamente “em pelo”, chicoteando com os pezinhos nus as grossas ancas do cavalo paterno, que será devolvido por Walacy oportunamente. 
Com o carroção a postos na estância, todos aguardam alvoroçados, a vinda da menina à entrada da casa de tábuas. Tom, esquivo e silencioso, subirá com ela para uma semana enfadonha e laboriosa.
Novas despedidas, o olhar animoso abraçando Eric, e ela se aconchega, viajando de costas sob a boleia, acenando um lenço de bolinhas, até a primeira curva apagar aquela digressão valorosa. 
Leva o lenço à cabeça e prende-o sob o queixo bem esculpido, refaz mentalmente os momentos pulsantes, sobretudo próxima a Eric. Mistura de melancolia e êxtase se apoderam daquele corpinho a sacolejar na penumbra, para lá e para cá.
Tom, em mudez facultativa, apressa a ofegante parelha para escaparem ao negro véu noturno que se acerca. 
Após romper a montanha, estar no lar é um alívio desgastante: Esvaziar toda a carroça, chegar trato aos animais, ordenhar ligeirinho os caprinos, preparar ovos mexidos com nozes, enquanto as brasas já assam uma farta batata doce.
O chá das lisérgicas e perfumosas cascas de bergamotas selvagens, trará o relaxamento necessário à noite indolente. Tom, em olhar pidão, o necessita com todo vigor.
A lisergia do chá equilibra emoções, irrompe sentimentos suaves, traz um entorpecimento flutuante, onde todos os fios de cabelo, energizados, ganham vida própria.
Tom tudo faz por estas murchas cascas nefelibatas, assim como vários outros homens (viciados) do vilarejo – usufruindo, lentamente, a letarga herança indígena.

2 comentários:

  1. Gosto muito do seu conto.
    Tive que investigar, porque não sabia o que era a lisergia.
    Bj.

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  2. Bom dia, Majo!
    Um dos objetivos deste conto é justamente introduzir palavras que não são de uso corrente, enriquecendo nosso vocabulário e levando à pesquisa.
    Fico feliz que esteja lhe agradando, pois foge um pouco ao padrão!
    Outros beijitos a ti.

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